domingo, 8 de março de 2009

Cabo Almeida - um heroi* desconhecido

CRÔNICAS DO PC

Em todo o Brasil, ainda se encontram orgulhosos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, os conhecidos pracinhas integrantes da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaram na Itália e são testemunhas em potencial do palco da guerra contra o nazifascismo, alguns deles participantes das lutas nos campos de batalha, herois* nunca lembrados, principalmente os que morreram, deixando-nos um legado de sacrifício pelo dever cumprido, esquecidos da história, mas lembrados por aqueles que os reconhecem como grandes brasileiros.

A última vez que me encontrei com cabo Almeida, natural do Estado da Paraíba, um dos 25.234 integrantes da FEB, foi em 2002, dia 7 de setembro, data comemorativa de nossa Independência. O velho pracinha, 79 anos, orgulhosamente desfilava na coluna especial dos ex-combatentes da Segunda Grande Guerra. Vestia farda caqui de combate, e ostentava na jaqueta verde-oliva de gala algumas medalhas que ganhou por bravura nos campos de batalha.

Por várias vezes, tive oportunidade de conversar com cabo Almeida, ele me relatando o que passou, enfrentando o inimigo na tomada do Monte Castelo. Foram cinco batalhas renhidas, duras, três meses de avanços e recuos, com sacrifício de vidas dos dois lados, nossos pracinhas em desvantagem estratégica, porque enfrentavam o inverno europeu, frio intenso e avançavam de baixo para cima, rastejando sobre neve, às vezes ficando expostos à visão e às balas do inimigo, que impiedosamente mantinham fogo cruzado de canhões, morteiros e metralhadores, dificultando o avanço por todos os lados.

A maioria de nossas perdas aconteceu no decorrer dessas batalhas. A pior de todas travada no dia 12 de dezembro de 1944, a mais sangrenta, em que o cabo Almeida lutou, dia triste para todos os soldados e oficiais de seu batalhão, quando viram frustrada mais uma investida para a tomada do Monte Castelo e perda de muitas vidas.

Sempre na linha de frente, como voluntários dos grupos de ataques frontais, se encontravam liderando uma coluna, formada pelo tenente Ari Rauer, sargento Woolf e o cabo Almeida, este, portando seu fuzil em baioneta calada, e sob as ordens do coronel Emilio Rodrigues Franklin, do Regimento Sampaio de Infantaria, 3º batalhão.

Cabo Almeida revelou que nunca esqueceu das cenas de guerra ocorridas às vésperas do ataque final a Monte Castelo, iniciado numa manhã no dia 21/02/45. Ele e seus companheiros pracinhas continuavam abaixados na linha de frente. Grupos aqui e ali rastejando em direção de onde terríveis metralhadoras alemãs atiravam, matraqueando, imitando curtas e sinistras gargalhadas. Fogo contra fogo gerava um baralho ensurdecedor saídos dos canos das armas, que ainda enchiam o ambiente de fumaça e cheiro de pólvora.

O horroroso era encarar os que morriam, caídos inertes crivados de balas ou destroçados por abuses lançados de morteiros e canhões de longa distância. Teve ocasião de o cabo Almeida ter de passar rastejando por cima de corpos destroçados. A situação perdurou até o meio da tarde, quando bem entrincheirados fizeram pausa para a primeira refeição do dia. Das mochilas tiraram pedaços de rapadura e começaram a comer. A rapadura foi um dos alimentos mais importantes dos pracinhas em ações de combates, pois o exército dificilmente abastecia os soldados durante as batalhas. A rapadura desempenhou um papel de alimento de alta fonte energética, suprindo as necessidades nutritivas momentânea dos soldados.

Depois de longo embate, finalmente o coronel Franklin avisou pelo rádio para o comando do quartel general: “Chegamos ao alto do monte, e vencemos!”. Era dia 21/02/45. Ao todo, contando os períodos de combates, tivemos 457 mortos, 2.064 feridos e 36 soldados prisioneiros.

Cabo Almeida, finalizando nossa conversa, me entregou um papel escrito com a seguinte frase, enaltecendo a figura daqueles que tombaram: “Estamos mortos, porque não quisemos viver e desonrar nossa pátria. Certo, a vida não vale grande coisa, mas para os moços vale, e nós éramos moços”. Dentre esses herois*, tombaram quatro paraenses.

Tive notícia recente que o cabo Almeida morreu aos 83 anos. Seu sepultamento teve honras militares, com salvas de tiros e toque do silêncio. Foi mais um heroi que se foi deixando saudades dos familiares e de amigos como eu.

Pedro Cláudio de M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

* Acordo ortográfico

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